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ToggleEm uma decisão recente, a 3ª Vara da Família e das Sucessões de Santos, localizada no
estado de São Paulo, concedeu o divórcio a uma mulher cujo marido faleceu enquanto o
processo de separação ainda estava em andamento. Essa decisão ilustra uma situação
específica, mas cada vez mais reconhecida nos tribunais brasileiros: a possibilidade de
concluir um divórcio, mesmo após a morte de um dos cônjuges, desde que a intenção de
se separar tenha sido claramente manifestada antes do falecimento.
O Caso e a Decisão Judicial
A juíza Mariella Amorim Nunes Rivau Alvarez, que além de atuar na vara em questão é
também membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), foi a
responsável por essa sentença. Ela determinou que o divórcio tivesse efeitos retroativos,
ou seja, que a separação fosse considerada como oficial a partir da data em que a ação
foi inicialmente proposta, antes do falecimento do marido.
No processo, foi destacado que a mulher já havia expressado de forma clara e
inequívoca a sua vontade de se divorciar antes do óbito do marido. Ele, por sua vez,
havia sido formalmente citado, cumprindo-se assim todas as etapas necessárias do
procedimento judicial. Dado que a vontade da autora já estava expressa e formalizada, a
juíza entendeu que o direito ao divórcio, que é potestativo (ou seja, de livre exercício
pela parte que o pleiteia), deveria ser respeitado, independentemente da morte do
cônjuge durante o processo.
Além disso, como o casal não havia adquirido bens em conjunto ao longo do casamento
e a certidão de óbito não indicava a existência de herança, a juíza determinou que não
seria necessária a sucessão processual, ou seja, a continuidade do processo por parte de
outros herdeiros.
Entendendo o Divórcio Post Mortem
O chamado “divórcio post mortem” refere-se à concessão do divórcio mesmo após a
morte de um dos cônjuges. Essa possibilidade tem sido aceita pelos tribunais
especialmente após a Emenda Constitucional nº 66/2010, que simplificou os requisitos
para o divórcio, tornando a vontade das partes o único requisito necessário. Em outras
palavras, se antes do falecimento o cônjuge já havia manifestado o desejo de se separar,
essa vontade deve ser respeitada, e o divórcio pode ser decretado com efeitos retroativos
à data da propositura da ação.
Implicações Patrimoniais e Sucessórias
A advogada Pamela Aloise, especialista em Direito de Família, destaca que, mesmo em
casos de divórcio post mortem, o cônjuge sobrevivente continua sendo considerado
herdeiro necessário. Isso significa que, independentemente do regime de bens adotado
no casamento, ele ou ela pode ter direito a uma parte da herança, concorrendo em
igualdade de condições com outros herdeiros, como filhos do falecido, por exemplo.
Esse ponto é importante, pois mesmo que o casal estivesse separado de fato há muitos
anos, sem qualquer comunhão de vida, a legislação ainda reconhece o cônjuge como
herdeiro. Portanto, em situações onde não há um acordo ou a inexistência de bens, o
processo de divórcio post mortem pode se estender para resolver questões patrimoniais
e sucessórias.
Impacto nas Pensões e Implicações para o INSS
Outro aspecto relevante abordado por Pamela Aloise é a questão da pensão por morte.
Ela explica que, na ausência de contestação ou prova em contrário, a simples
apresentação das certidões de casamento e de óbito pode ser suficiente para que o
cônjuge sobrevivente obtenha a pensão por morte. Essa situação, embora legal, pode
levar a prejuízos para o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), especialmente
se considerarmos que, em casos de divórcio já formalizado, o cônjuge não teria direito à
pensão.
Assim, o divórcio post mortem não apenas preserva a vontade expressa do falecido em
vida, mas também pode evitar complicações legais futuras, tanto para os herdeiros
quanto para instituições como o INSS.
Conclusão
A decisão da Justiça de São Paulo reflete um entendimento moderno e alinhado com as
mudanças trazidas pela Emenda Constitucional nº 66/2010, que visa facilitar e respeitar
o desejo das partes envolvidas no divórcio. O reconhecimento do divórcio post mortem
é um passo importante para garantir que a vontade expressa de uma pessoa seja
cumprida, mesmo após a sua morte, evitando assim que o cônjuge sobrevivente seja
tratado como viúvo ou viúva, quando, na verdade, já havia uma clara intenção de
separação.